quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Rousseau e o conceito de representação política

A Representação política em Rousseau

Um dos temas mais importantes da filosofia política de Rousseau trata do conceito de representação política. O objetivo deste trabalho é elucidar como a representatividade política é entendida à luz da obra Do contrato social .

No livro III , capítulo 15 do Do contrato social , Rousseau condenará o regime parlamentar britânico, cuja atribuição acumula as funções legislativa e executiva .Antes de representar a liberdade civil e o fim do grilhões do regime feudal, para o filósofo, a escolha desses representantes, nada mais é senão, a substituição de um regime de servidão por outro. Os ingleses, estariam equivocados em eleger o parlamento, pois estariam assim entregando o poder de legislar aqueles representantes, quando este deveria ser exercido por eles próprios.

“ O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso, que dela faz, mostra que merece perdê-la.” 1

Para Rousseau, o regime parlamentar , que convencionou-se chamar de democracia representativa, é uma ilusão, pois o povo, fica fora do exercício da soberania, que passa a ser exercida por um grupo de representantes. Para o filósofo, o povo , ao transferir o poder de legislar aliena sua soberania e deixa de ser livre, tornando-se escravo de um regime que ele próprio legitimou. Sem o poder de decisão dos assuntos públicos, o povo fica à mercê e entregue à própria sorte. Deste modo, o conceito de representação é condenado de forma veemente por Rousseau, pois significa a alienação da soberania.

“ Afirmo, pois , que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, a vontade. 2

A vontade geral é exercida por cada membro da comunidade, que por sua vez, irá decidir pelos rumos da comunidade politica. As decisões tomadas irão afetá-lo como cidadão, sujeito individual e como sujeito do corpo político, no qual faz parte. O pacto social é pleno, pois todos legislam em favor de todos, não havendo qualquer usurpação de poder. Cada um aliena sua liberdade em favor do corpo coletivo, ou seja, a comunidade. Se um indivíduo passa a agir, visando apenas sua liberdade e interesses particulares, compromete-se a integridade dessa comunidade.

“ Essa vontade é uma resultante do conjunto das vontades dos associados. Não uma soma de suas vontades enquanto indivíduos que visam apenas a seu interesse particular, mas uma expressão da vontade de cada indivíduo quando imbuído do interesse coletivo e visando ao bem comum.”3

A liberdade é o grande principio defendido por Rousseau, pois os cidadãos que realizam o pacto não se submetem a vontade de terceiros, mas as suas próprias. Respeitam as leis que eles prescreveram, não sendo súditos , mas soberanos. Assim, em Rousseau não se admite a representação da vontade de um cidadão para o outro. A vontade só será geral se houver a participação de todos os cidadãos de um Estado, por ocasião do ato legislativo.

“ A soberania só existe se for geral: é a de todo um povo ou de uma parte dele. No primeiro caso, esta vontade declarada é um ato de soberania e faz lei, no segundo, é simplesmente uma vontade particular, um ato de magistratura.

Rousseau, só admite a representação, quando esta se refere a execução das leis já decididas pelo soberano. Isto é, a função executiva seria realizada por um Governo , composto de pessoas escolhidas . O filósofo atribui a esse Governo a função de executar as diretrizes da vontade geral. Não se trata de um contrato de submissão entre o povo e o poder executivo. Este último, exerce a função de funcionário do soberano, e, em nenhum hipótese, pode legislar ou comandar o corpo político.
“ Têm muita razão aqueles que pretendem não ser um contrato, em absoluto, o ato pelo qual um povo se submete a chefes. Isto não passa, de modo algum, de uma comissão, de um emprego, no qual, como simples funcionários do soberano, exercem em seu nome, o poder de que ele os fez depositários, e que pode limitar, modificar e retomar quando lhe aprouver. ” Sendo incompatível com a natureza do corpo social , a alienação de um tal direito é contrária ao objetivo da associação.” 4




Rousseau e Hobbes

Rosseau e Hobbes concordam que a passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. Hobbes, no entanto, ao contrário de Rousseau, defende que , após o contrato social , o povo, para assegurar sua integridade e viver em paz, renuncia a todos os seus direitos, e a soberania passa a pertencer, sem qualquer restrição, ao soberano, cujo poder é absoluto e incontestável. Na visão de Hobbes, o povo , não tem o direito de tomar decisões sobre o corpo político, pois alienou sua liberdade em troca da segurança oferecida pelo soberano. Deste modo, o autor de Leviatã, é favorável ao conceito de representação política, pois todas as ações do monarca, foram autorizadas por seus súditos que delegaram a este o poder decisório.

“ Dado que a multidão naturalmente não é uma, mas muitos, eles não podem ser entendidos como um só, mas como muitos autores, de cada uma das coisas que o representante diz ou faz em seu nome. Cada homem confere a seu representante comum sua própria autoridade em particular, e a cada um pertencem todas ações praticadas pelo representante, caso lhe haja conferido autoridade sem limites”5

Essa passagem ilustra com clareza o quanto a soberania para Hobbes está intrinsecamente associada a ideia representação, pois para o filósofo apenas com a sujeição dos súditos a um poder central, personificado na figura do soberano, é possível estabelecer a paz e acabar com a anarquia que reinava no estado de natureza.

Rousseau não poupa esforços para criticar a teoria do despotismo de Hobbes e não nos surpreende seus ataques, pois como partidário da liberdade, jamais reconheceria como válida uma argumentação que eliminasse o poder do povo . Se o indivíduo, segundo Hobbes, nasce livre e transfere sua liberdade ao soberano, isto é o monarca, por meio do contrato, o paradoxo que Rousseau propõe resolver no Do contrato social é precisamente estabelecer qual a ordem política em que o indivíduo não obedeça a ninguém a não ser a si próprio, de forma a permanecer tão livre no plano político quanto antes, no estado de natureza. E como já vimos, a solução é encontrada no conceito de vontade geral, pois o indivíduo não transfere sua liberdade a um representante.

Para Rousseau, a ideia de representação, não passa de uma usurpação do poder do povo, e a perda dessa soberania resulta na própria dissolução do corpo político

“ Desse modo, no momento em que o Governo usurpa a soberania, rompe-se o pacto social e todos os simples cidadãos, repostos de direito em sua liberdade natural, estão forçados, mas não obrigados a obedecer”6

Segundo Robert Derathé, Rousseau refuta o príncipio de transferência de direitos, pois para ele a soberania é inalienável, imprescritível, incomunicável, que só pode ser exercida pela vontade geral e não por um único indivíduo.
“ Já que nenhum homem, dirá Rousseau, tem o direito de alienar sua liberdade para tornar-se escravo de um senhor, o povo não pode, por sua vez, submeter-se à dominação de um déspota e não tem o direito de ceder-lhe soberania. Tal alienação teria o efeito de transformar uma associação de homens livres numa tropa de escravos submetidos ao capricho do senhor.”7

Considerações Finais
Ao tratar o conceito de representação de forma negativa, Rousseau estabelece uma total ruptura com as filosofias políticas dos autores que o precederam. Na obra Do contrato social, sua crítica a representação política, está associada ao conceito de soberania , a qual deve ser constituída do conjunto e todos os cidadãos e não pode ser delegada ou dividida. Desta forma é totalmente afastada a possibilidade de haver representantes que decidam em nome dos cidadãos. O poder legislativo , este sim , a própria manifestação da vontade geral e da soberania , deve exercido diretamente pelo povo .

Bibliografia:

DERATHÉ, Robert. Jean-Jacques Rousseau e a ciência política de seu tempo; tradução Natalia Maryama – São Paulo :Editora Barcarolla; Discurso Editorial, 2009.

FORTES, Luis Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. 2 ed. São Paulo: Humanitas: Discurso Editorial, 2007.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza Silva. Os Pensadores. 2 ed, São Paulo : Abril Cultural, 1979. ( Os pensadores)

ROUSSEAU, J.J. Do contrato social; ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; tradução de Lourdes Santos Machado; introdução e notas Paulo Arbousse-Batisde e Lourival Gomes Machado. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores)











1Rousseau, J.J. Do contrato social.; Coleção Os Pensadores. tradução de Lourdes Santos Machado. 2. ed. Livro III, cap. XV, p. 108
2Ibidem, Livro II, cap. I, p. 43/44
3Fortes, Luis Roberto Salinas. Rousseau: o bom selvagem. Discurso Editorial. 2 edição. P 97.
4Rousseau, J.J. Do contrato social. Livro III, cap. I, p. 74/75
5Hobbes, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza Silva. Os Pensadores. 2 ed, São Paulo : Abril Cultural, 1979. p 98.
6Rousseau, J.J. Do contrato Social, Livro III, Cap.X, p. 101.
7Derathé, Robert. Jean-Jacques Rousseau e a ciência política de seu tempo; tradução Natalia Maryama – São Paulo : Editora Barcarolla; Discurso Editorial, 2009. p. 385.

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